Sumários Revista Crítica 76 (2006)

Miguel Vale de Almeida
O casamento entre pessoas do mesmo sexo. Sobre “gentes remotas e estranhas” numa “sociedade decente”

O artigo constitui uma primeira reflexão sobre dados de uma pesquisa realizada em Barcelona. O debate público sobre o casamento entre pessoas do mesmo sexo revela as tensões sociais em torno do género, da sexualidade, da conjugalidade, da procriação e da parentalidade. As representações simbólicas e os discursos ideológicos sobre estes campos vêem revelado o seu carácter construído no momento em que uma simples variável – o sexo dos cônjuges – se apresenta como modificável. Neste processo torna-se clara a estrutura profunda da homofobia como motivação reactiva; o carácter politizado dos discursos científicos convocados para o debate; e as diferenças nas culturas de política identitária em diferentes Estados-nação.

Sasha Roseneil
A vida e o amor para lá da heteronorma: Uma análise queer das relações pessoais no século XXI

O presente artigo propõe-se desenvolver uma abordagem queer do estudo das relações pessoais. Inserindo-se no contexto das importantes transformações ocorridas na organização da vida pessoal ao longo dos últimos trinta anos, ele defende que os sociólogos devem desalojar a família e o casal heterossexual do lugar central que ocupam no nosso imaginário intelectual. Faz-se uma crítica à sociologia, motivada pelos quadros heteronormativos em função dos quais esta tem estudado as relações pessoais. De seguida propõe-se um alargamento do quadro usado para a análise das transformações contemporâneas da intimidade, defendendo-se a importância de uma análise queer das mudanças sociais, e sugere-se a necessidade de uma investigação centrada nas pessoas que vivem na crista dessas mudanças. Por fim, termina-se com uma panorâmica dos resultados da investigação mais recente da autora sobre as práticas de relação de quem vive e ama para lá da heteronorma.

Gabriela Moita
A patologia da diversidade sexual: Homofobia no discurso de clínicos

Apresenta-se e analisa-se posicionamentos de técnicos de saúde mental disseminados por diversos modelos de leitura ainda ancorados no paradigma patológico da homossexualidade. O material exposto neste artigo é resultado de uma análise feita a discursos produzidos em grupos de discussão, organizados para efeitos de investigação, e formados quer por clínicos (psiquiatras e psicólogos), quer por gays e lésbicas que passaram por processos de acompanhamento terapêutico (por razões múltiplas e não apenas por questões ligadas à homossexualidade). Os níveis de homofobia e heterossexismo ainda existentes no contexto clínico português revelam quer a cumplicidade com modelos de formação não questionados, quer a dificuldade com que gays e lésbicas podem confrontar-se num processo que perpetua, senão mesmo amplia, a discriminação social de que são alvo.

Nuno Santos Carneiro, Isabel Menezes
“Do anel à aliança“: Sentido dos iguais e emancipação pessoal na psicologia das sexualidades

Sistematizando alguns processos subjacentes ao desenvolvimento psicológico da identidade (sexual), este artigo propõe uma Análise Psicossocial Crítica das sexualidades contemporâneas. A partilha vivencial da opressão nos contextos dos “iguais” é sublinhada pelos autores como dimensão nuclear do desenvolvimento identitário. Mais se propõe esta partilha como potenciadora de uma conciliação conceptual entre a abordagem psicológica das identidades sexuais e as propostas Queer a respeito das sexualidades. Em conclusão, são apresentadas as implicações dessa conciliação para o desenvolvimento do sujeito nos múltiplos contextos de negociação relacional das sexualidades “minoritárias”, enfatizando a complexidade psicológica necessária à emancipação pessoal no seio destes contextos.

Ana Cristina Santos
Entre a academia e o activismo: Sociologia, estudos queer e movimento LGBT em Portugal

Este ensaio centra-se no carácter diverso e complementar da relação entre academia e movimentos sociais, moldando um constructo analítico-social cujas implicações para os estudos queer continuam em grande medida por teorizar. Tal teorização, creio, poderá conduzir a uma nova aplicação da investigação-acção, desta feita centrada nos hífenes que nos permitem articular, em dialéctica, saberes construídos nos quotidianos da academia e do activismo LGBT. Com efeito, ciência e militância, quando cooperantes horizontais – resistindo à tentação de paternalismo, futurismo ou canibalização, por parte da academia, ou de acomodação, aburguesamento ou cedência, por parte dos movimentos sociais –, podem constituir pedras fundamentais nesse constructo ancorado em reconhecimentos recíprocos e capacitantes, em que nenhuma forma de saber se constitui como única ou dominante e da qual resulte, enfim, um novo campo de saber que designo por estudos queer públicos.

António Fernando Cascais
Diferentes como só nós. O associativismo GLBT português em três andamentos

O presente texto toma como eixo de análise o modo como a diferença específica da formação social portuguesa determina e se exprime na sociogénese do associativismo GLBT nas três últimas décadas. É possível traçar uma periodização dele em três estádios, à qual deve atribuir-se sobretudo um valor heurístico: o primeiro de 1974 até 1991, que pode dividir-se em duas fases, uma anterior e outra posterior ao surgimento da epidemia de Sida no nosso país; o segundo, entre 1990-1991 e 1995-1997; e o terceiro, de 1997 até ao presente. A produção de conhecimento sobre o associativismo GLBT tem ainda de se articular com duas outras pesquisas: sobre os seus detractores e inimigos, antigos e neófitos, e sobre a comunidade que o associativismo representa ou de que emerge, com uma história, uma identidade e uma cultura que explicam as razões da adesão ou da resistência a ele.

Michael O’Rourke
Que há de tão queer na teoria queer por-vir?

O artigo propõe-se desembrulhar uma série de termos-chave que preocuparam Jacques Derrida após a chamada viragem político-ético-religiosa deste autor, desde um texto como Force of Law (1989) até Voyous (2004): termos como “auto imunidade”, “messianicidade sem messianismo”, a “chegança” e a “democracia por-vir”, entre outros. Irei debruçar-me sobre os últimos textos de Derrida, em particular sobre a obra Voyous – em minha opinião, uma importante carta fundadora de uma teoria queer a considerar para o futuro –, bem como sobre o recente número da revista Social Text intitulado “Que há de queer nos estudos queer hoje?” e ainda sobre os trabalhos mais recentes de Judith Butler (sobretudo a obra de 2005 Giving an Account of Oneself – “Prestando contas de si”). Proponho, assim, que a palavra “auto-imunização”, um termo do léxico derridiano que se reveste de alguma novidade e ambiguidade (e muitas vezes é entendido negativamente) constitui um útil ponto de partida para se falar do indeterminável, monstruoso e até vadio futuro dos estudos queer, ou daquilo a que chamo a teoria queer por-vir.

Published 4 May 2007
Original in Portuguese

Contributed by Revista Crítica de Ciências Sociais © Revista Crítica de Ciências Sociais Eurozine

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