Sumários Revista Crítica 75 (2006)

Françoise Meltzer
Sobre a questão da Aufhebung: Baudelaire, Bataille e Sartre

O estudo debruça-se sobre o cáustico ensaio de Sartre sobre Bataille publicado em 1943 e intitulado “Un nouveau mystique”, bem como sobre a discussão subsequente travada entre os dois autores a propósito de Baudelaire. Sartre acusa Bataille de, na obra A experiência interior, introduzir “o transcendente no imanente”; de exteriorizar o eu de maneira a eliminar a responsabilidade humana; de, por força do fascínio com o ritual, o sacrifício e a comunidade, conduzir ao totalitarismo; e de engolir a história. Sartre coloca no centro da sua crítica o conceito de Aufhebung, proposto na Fenomenologia de Hegel: segundo Sartre, Bataille elimina a síntese da trindade hegeliana – tese/antítese/síntese (Aufhebung) –, colocando a tragédia no lugar da dialéctica. Esta discussão acerca do papel da Aufhebung e da dialéctica suscita, assim, todas as questões fundamentais para aquilo a que viria a chamar-se pós-modernismo: o papel e a soberania da subjectividade, a possibilidade do sagrado, o uso da linguagem, a liberdade humana, o papel da história na produção textual, o indivíduo em oposição à comunidade, e as razões para se rejeitar a possibilidade de um transcendente.

Joaquín Herrera Flores
Colonialismo y violencia. Bases para una reflexión pos-colonial desde los derechos humanos

Percorrem-se quatro mecanismos fundamentais do difusionismo colonialista ocidental: o estabelecimento de generalizações abusivas que impedem o conhecimento da complexidade do outro; o backlash colonialista e a ocultação das origens dos processos coloniais; a transformação do espaço geográfico; o humanismo abstracto e a sua distância no referente às práticas depredadoras do colonialismo. Estes mecanismos são analisados da perspectiva de uma concepção radical de direitos humanos, concluindo-se que a capacidade de lutar tanto pelo reconhecimento cultural como pela justa distribuição de recursos está na essência da afirmação desses direitos.

António Simões Lopes
Encruzilhadas do desenvolvimento: Falácias, dilemas, heresias

Começa por contestar-se o uso abusivo do termo desenvolvimento quando se está pensando em crescimento, apenas; e enunciam-se falácias, dilemas e heresias associadas ao conceito e à prática (política) do desenvolvimento. Contesta-se que os níveis de desenvolvimento continuem a ser aferidos fundamentalmente pelos níveis de rendimento; e, em todas as circunstâncias, até porque as perspectivas de crescimento são bastante pobres, advoga-se que o modelo de desenvolvimento passe a assentar mais na repartição, isto é, na distribuição da riqueza, como objectivo que promova a dignificação das pessoas: não é legítimo continuar a fazer esperar os mais pobres até que sejamos todos mais ricos.

Fátima Antunes
Governação e espaço europeu de educação: Regulação da educação e visões para o projecto ‘europa’

Os “efeitos indirectos” das dinâmicas de globalização no campo da educação são visíveis, quer nas mutações do processo de elaboração das políticas educativas, quer na reconfiguração da governação da educação. Assim, no que toca ao Processo de Bolonha, parece estar na agenda a aproximação, através da criação de dispositivos e entidades como os sistemas e agências de garantia da qualidade e de acreditação, ao modelo de regulação de mercados. Por outro lado, a forma de regulação determinada por objectivos constitui um desenvolvimento marcante nos processos de gestão de mudança social e educativa em diversos sectores dos sistemas educativos. As bandeiras-projecto para a Europa de edificação do espaço europeu da educação e do paradigma de aprendizagem ao longo da vida parecem participar dos novos mitos legitimadores filiados no desejo de envolver no mesmo movimento a ordenação do território, físico, social e simbólico, e a criação dos sujeitos.

Fernanda Maio
“Vidas reais, gente real”: A re-presentação de outros na arte no espaço público

Analisa-se o evento de arte pública Lisboa Capital do Nada, constituído por uma série de projectos de intervenção pública que tiveram lugar em Lisboa em 2001. O projecto levanta questões sobre o papel social da arte na preservação de modos de vida autênticos, e sobre o papel do artista enquanto testemunha do quotidiano ao tentar regenerar espaços urbanos considerados problemáticos e ajudar a construir uma identidade social, vista como a identidade das pessoas com o lugar. No entanto, a condição de mobilidade de artistas, intelectuais, políticos e especialistas, contrasta com a imobilidade de outros, que são, dessa forma, sujeitos a uma identidade local e objectificados por um olhar turístico. Esta forma de turismo cultural mantém as assimetrias de mobilidade, reforçando o poder daqueles que detêm o controlo sobre a sua própria mobilidade e sobre a circulação de significados; ao tentar substituir a experiência fragmentada e subjectiva do espaço por uma representação disciplinadora e unificadora, ou coerente, descura-se o conceito de lugar como processo.

Oscar José Rover & Maria Adosinda Henriques
A gestão democrática em debate: O programa LEADER e a sua relação com a sociedade civil local

Parte-se da discussão do Programa de Iniciativa Comunitária LEADER da União Europeia para regiões rurais, analisando em que medida, no caso português, a autonomia local na definição das estratégias e projectos é positiva para os territórios locais, ou apenas favorece alguns actores destes territórios, não valorizando suficientemente os princípios orientadores do referido Programa, através de práticas de inclusão de grupos mais necessitados e desorganizados. A reflexão sobre o LEADER no contexto português é susceptível de extrapolação para outros contextos locais. Em geral, se é verdade que as práticas de democracia participativa podem significar um contributo para o desenvolvimento das populações locais, em particular das mais desorganizadas e necessitadas, é igualmente demonstrável, por outro lado, que o argumento da democracia e do desenvolvimento serve muitas vezes à reprodução local de práticas de dominação e de desigualdade sociais.

Carlos Walter Porto Gonçalves
Geografia da violência no campo brasileiro: O que dizem os dados de 2003

O artigo faz uma análise da violência no campo brasileiro, com base nos dados relativos à violência sobre as pessoas e às lutas sociais e de poder coligidos pela Comissão Pastoral da Terra – CPT. Partindo da construção de um conjunto de indicadores sobre a incidência e as formas, públicas e privadas, de violência exercida sobre as populações dos campos, centra a análise na geografia da violência e explora as simulitudes e as diferenças detectáveis entre regiões e estados do Brasil. A análise permite identificar o quanto os processos contemporâneos de desenvolvimento agrícola e de modernização sócio económica do campo reproduzem, ou reinventam, relações sociais e de poder sustentadas na violência, que prolongam no tempo, em novos moldes, formas de moderno-colonialidade.

Published 25 January 2007
Original in Portuguese

Contributed by Revista Crítica de Ciências Sociais © Revista Crítica de Ciências Sociais Eurozine

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