Sumários Revista Crítica 70/2004

TIAGO SANTOS PEREIRA
Processos de governação da ciência: O debate em torno do modelo de financiamento das unidades de investigação em Portugal

Com a crescente insistência das políticas públicas nos impactos económicos e sociais da investigação, os modelos de governação da ciência têm sofrido alterações. O modelo tradicional, com base na autonomia da ciência, tem vindo a ser substituído por novos modelos que colocam maior ênfase nos processos de prestação de contas, no quadro de uma maior co-responsabilização entre Estado e investigadores. Até que ponto este processo consegue ser equilibrado perante os diversos impactos da investigação e as diferentes áreas científicas é uma questão aqui discutida. O presente artigo analisa estes desenvolvimentos através de um estudo de caso do recente debate público em torno de um novo modelo de financiamento das unidades de investigação em Portugal.

MAÍRA BAUMGARTEN
Avaliação e gestão de ciência e tecnologia: Estado e coletividade científica

A conclusão de uma extensa pesquisa sobre uma década de políticas de ciência e tecnologia (C& T) no Brasil (Baumgarten, 2003), trouxe à reflexão temas relevantes para entender os processos de produção e disseminação de conhecimento científico no mundo atual. As informações levantadas naquele trabalho suscitaram questões sobre a avaliação e seu papel como instrumento para informar o gerenciamento do setor de Ciência e Tecnologia (C& T). Para refletir sobre esse tema recorreu-se a uma releitura crítica da literatura existente, o que, juntamente com os dados levantados no decorrer da pesquisa, possibilitou formar um quadro sobre a avaliação e as relações entre Estado e cientistas. Neste artigo debatem-se alguns tópicos relacionados a esses problemas.

FELISMINA R. P. MENDES
A herança dos “mal-nascidos”: Dos filhos do passado aos filhos da ciência

Apresentam-se alguns dos resultados obtidos num estudo sobre o quotidiano de risco genético de cancro hereditário. Seguindo uma metodologia qualitativa, avaliou-se todo o trabalho de gestão individual desse risco, desde o momento do diagnóstico ao accionar dos mecanismos, estratégias e concepções que, quotidianamente, permitem dar sentido ao acontecido. A perspectiva analítica que é possível esboçar, a partir dos relatos individuais, no respeitante à representação social da doença, estrutura-se em torno do tempo que o cancro “rouba” e do tempo que o cancro hereditário “dá” e remete para a importância do clima de aceitação positiva do risco, expresso nos desejos individuais e colectivos de um futuro melhor garantido pela evolução científica e tecnológica. Frente ao risco genético de que os sujeitos são portadores e que escapa à sua lógica de controlo, a pressão é colocada sobre a ciência (genética) e a medicina, cujo poder e prestígio nunca são questionados.

JOSÉ REIS
Estado, Mercado e Comunidade: A economia portuguesa e a governação contemporânea

A economia portuguesa registou muitas e significativas transformações nas décadas recentes, depois da revolução democrática de 1974 e da adesão à CEE em 1986. Uma integração profunda na UE e um original e inesperado contexto de integração ibérica são partes importantes do novo retrato. As mudanças na especialização produtiva, a emergência de uma economia terciária pública, a centralidade das relações financeiras externas e a nova condição de Portugal enquanto investidor líquido no estrangeiro e país de imigração são alguns dos processos principais para a análise da governação da economia portuguesa neste período. Este último propósito implica estudar os mecanismos de coordenação da acção colectiva. O Estado, enquanto agente da “ordem relacional”, o mercado, enquanto lugar de governação cada vez mais estreito, e a comunidade, enquanto expressão das especificidades internas portuguesas, são considerados neste texto arranjos institucionais principais e bases da governação económica.

FÁTIMA ANTUNES
Globalização, europeização e especificidade educativa portuguesa: A estruturação global de uma inovação nacional

Neste trabalho exploram-se algumas relações entre os processos de globalização e a elaboração de políticas educativas nacionais. Procura-se compreender o modo como o processo de integração europeia constituiu um contexto relevante para a formulação de uma medida de política educativa – a criação do subsistema de Escolas Profissionais em Portugal em 1989. Esta inovação expressa ainda uma agenda política nacional para a educação atravessada por dilemas e, como procura mostrar-se, indubitavelmente inscrita nas condições, desafios e soluções que marcavam a realidade educativa portuguesa.

FILIPE CARREIRA DA SILVA
Cidadãos da Europa? Algumas reflexões sobre o patriotismo constitucional

Nas últimas décadas do século XX, o imaginário de uma globalização irresistível impôs-se de forma quase hegemónica. Proposto como uma necessidade histórica, este paradigma tem vindo a exercer uma influência notável. O projecto político de integração europeia, por exemplo, é frequentemente apresentado como a resposta necessária ao desafio da globalização e ao seu principal protagonista, os EUA. é neste quadro sócio-histórico que irei discutir aquele que será, talvez, o principal desafio político da presente geração de Europeus – como imaginar uma democracia europeia, plenamente participada por cidadãos de diferentes nacionalidades, no quadro de um sistema político com múltiplos níveis de decisão e competência? A minha resposta a esta questão aponta para a necessidade de reconstruir a concepção moderna de cidadania de modo congruente com as condições sócio-históricas da hodiernidade em que vivemos.

JOSÉ MANUEL DE OLIVEIRA MENDES
Media, públicos e cidadania: algumas notas breves

O texto procura problematizar a relação complexa e ambígua entre os meios de comunicação social e os processos de produção de cidadania. Em alternativa à noção de esfera pública, propõe-se a de públicos, mediáticos e políticos, que permite restituir a teia densa de factores que condicionam a recepção dos conteúdos mediáticos. Por outro lado, é dada especial atenção à função ideológica dos media e, a partir da análise de dois casos concretos, procura-se indagar da possibilidade e das condicionantes da apresentação de gramáticas alternativas que potenciem a construção de um mundo comum que não consensual.

PAULA ABREU
Músicas em movimento. Dos contextos, tempos e geografias da performance musical em Portugal

O texto propõe-se desenvolver uma reflexão acerca das dinâmicas territoriais dos mercados culturais, discutindo a forma como essas dinâmicas reflectem tensões inerentes à lógica própria da produção/criação cultural, às prioridades impostas pelo crescimento dos mercados da cultura (concorrência e disputa de públicos escassos) e a exigências de legitimação social e política das actividades culturais. A discussão far-se-á a partir da análise do caso particular do mercado do espectáculo musical no nosso país, recorrendo a dados produzidos no âmbito de um projecto de investigação realizado no CES/FEUC e recentemente finalizado. Os resultados produzidos possibilitam a identificação de traços marcantes relativos à geografia, aos tempos e aos contextos da produção de espectáculos musicais, permitindo a sua discussão no âmbito das principais linhas de estruturação das actuais políticas culturais (centrais e locais) e da esfera cultural no nosso país.

PAULO PEIXOTO
A identidade como recurso metonímico dos processos de patrimonialização

Os processos de patrimonialização sustentam-se de uma retórica que deifica a noção de identidade. Também os processos de construção identitária se ancoram, sublimando-a, na noção de património. Daqui resulta uma ambiguidade inextricável entre os dois termos. Porém, nem todo o património cria identidade, nem toda a identidade dá origem a um património. Esta constatação permite questionar o modo como os processos de construção identitária se socorrem, por vezes, de recursos aos quais atribuem um estatuto patrimonial. Mas permite igualmente atestar que os processos de patrimonialização nem sempre visam fins que tenham a ver com a preservação de uma identidade. Por colocar a tónica nos processos de patrimonialização e não nos processos de construção identitária, é esta segunda via analítica que este texto privilegia. A análise de processos ocorridos em Portugal permite ilustrar, através de alguns casos empíricos, o modo como a identidade se converte num recurso metonímico dos processos de patrimonialização.

Published 29 April 2005
Original in Portuguese

Contributed by Revista Crítica de Ciências Sociais © Revista Crítica de Ciências Sociais Eurozine

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