Revista Crítica de Ciências Sociais
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Revista Crítica de Ciências Sociais
2011-01-14
Sumários Revista Crítica 89 (2010)
Fernanda Henriques
Concepções filosóficas e representações do feminino:
subsídios para uma hermenêutica crítica da tradição filosófica
Este trabalho pretende desconstruir a ideia comum de que o domínio masculino foi sempre pacífica e universalmente aceite. Chama-se a atenção para que na Grécia, paralelamente ao pensamento canónico, houve ruídos significativos que manifestam outros modos de pensar e representar o feminino, mostrando a necessidade de re-significar a nossa recepção da tradição clássica.
Carole Pateman
Garantir a cidadania das mulheres: a indiferença e outros obstáculos
O artigo discute as estruturas sexuais e raciais de poder que continuam a obstruir de forma sistemática a cidadania das mulheres. As reformas jurídicas e políticas concretizadas não foram acompanhadas por mudanças nas práticas sociais de dominação e subordinação e nas concepções de masculinidade e feminilidade. O empobrecimento e as guerras têm fomentado o tráfico sexual global e a violência contra as mulheres. De forma a eliminar a interacção entre o contrato de indiferença mútua e o contrato sexual-racial global, propõe-se que a atribuição de um rendimento básico a todos os cidadãos constituiria um passo em direcção a uma cidadania plena.
Carlos Ascenso André
A ironia ovidiana na subversão do protocolo amoroso em Roma
Uma leitura atenta da Arte de amar, de Ovídio, deixa perceber neste manual da ciência amorosa uma subversão dos códigos sociais do seu tempo, que secundarizavam a mulher e dela faziam apenas objecto do desejo e prazer do homem. O artigo pretende demonstrar essa subversão ao "protocolo amoroso" de Roma, visível nos Amores, e comprovada nas Heroides e nos Remédios para o amor.
Rosemarie Buikema
O conteúdo da forma e outras políticas textuais
Configurações de nação e cidadania em Disgrace e Agaat
Este texto pretende repensar a relação entre a literatura e a cidadania com base na análise de Disgrace (1999), de J. M. Coetzee, e Agaat (2006), de Marlene van Niekerk. Ambos constituem exemplos de como a singularidade de grandes obras literárias exige uma abordagem interdisciplinar que faça justiça ao modo como um romance integra e co-constrói os discursos sobre a história, a identidade e a cidadania.
Angélica Lima Cruz
O olhar predador: a arte e a violência do olhar
Este ensaio aborda a forma como a teoria feminista tem reflectido a prática artística, contribuindo para o conhecimento sobre as relações entre artes visuais, sexualidades e poder. Foca-se o tratamento do nu feminino e do corpo da mulher nos diversos movimentos artísticos ao longo da história da arte ocidental, e aborda-se o lugar, ou não lugar, que coube às mulheres na arte, nomeadamente na pintura.
Maria José Magalhães
A arte e violência no olhar:
activismo feminista e desconstrução da violência contra as mulheres
O artigo retoma a questão da construção de um olhar que integra ou denuncia uma cultura de violência contra as mulheres. Explora-se como a crítica feminista da violência contra as mulheres desoculta os mecanismos da sua re/produção, mostrando que a arte se pode constituir como processo de desconstrução desta violência.
Isabel Allegro de Magalhães
A instância corpórea do humano:
sexualidades e subjectividades, mulheres e ética
Este texto reflecte sobre as principais etapas da evolução do pensamento feminista quanto à questão da diferença e da identidade sexual, desde as primeiras levas dos feminismos anglo-americanos e franceses, à pulverização de agrupamentos sociais e teóricos de mulheres nos EUA (lesbian, black e gay studies; teoria queer, novos materialismos dos anos 2000). Ao retomarem a estrutura corpórea do sujeito, as novas correntes neomaterialistas obrigam a repensar a diferença sexual em ligação com novas modalidades de articulação com o não-humano, o mundo animal, as biotecnologias, a tecnociência e a biosfera.
Dee Pryde
Lésbicas portuguesas no século vinte: apontamentos para a História
A intenção deste artigo é contribuir para a reposição, no seu devido lugar histórico, das vivências e lutas das lésbicas portuguesas, num meio mediático e académico que ou as avilta, ou lhes vira as costas sobranceiramente. Ressalta-se o Orgulho Lésbico que contrariou a lesbofobia flagrante de numerosas instituições e personalidades e aborda-se a falta de progresso e o real retrocesso na luta pelos direitos das lésbicas.
Teresa Cunha
Imobilidades e fracturas
Mulheres, identidades e narrativas viajantes em Timor-Leste
A partida de Timor-Leste e a ausência mais ou menos prolongada, e em maior ou menor grau politicamente motivada, condicionou a reconfiguração da identidade de algumas mulheres timorenses. Neste texto reflecte-se sobre a teorização de modos de produção de identidades e narrativas viajantes e o seu lugar no confronto entre o consenso nacionalista e o dissenso pós-bélico. Discute-se de seguida como estas identidades e discursividades migrantes e diaspóricas se constituem como lugares de imobilidade e de fractura nos quais as mulheres participam.
Cecília MacDowell Santos
Da delegacia da mulher à Lei Maria da Penha:
absorção/tradução de demandas feministas pelo Estado
Este artigo examina as respostas do Estado às demandas feministas para o combate à violência doméstica contra mulheres no Brasil desde meados dos anos 1980. São identificados três momentos de mudanças institucionais: o momento da criação da primeira delegacia da mulher, o surgimento dos Juizados Especiais Criminais, e a promulgação da Lei 11.340, conhecida como Lei Maria da Penha. A análise pretende contribuir para as teorias feministas do Estado no contexto latino-americano.
Teresa Martinho Toldy
A violência e o poder da(s) palavra(s):
a religião cristã e as mulheres
Fala-se aqui da violência da(s) palavra(s). Das formas como as palavras da Bíblia foram e são utilizadas para legitimar a violência patriarcal sobre as mulheres. Fala-se de discursos de poder e da possibilidade de outros discursos, de formas de empowerment "subalternas", a partir dos "sem-poder".
Ana Luísa Amaral
Os Teares da Memória
Partindo da ideia de que a verdade do texto e a verdade da vida não são coincidentes, mas que a uni-las está um rasto de verdade, forçosamente diverso daquilo a que se convencionou designar por fingimento, debato aqui a questão de uma identidade de mulher no texto e ainda o papel que a memória desempenha na construção de identidades mais latas, as que ao humano dizem respeito.